segunda-feira, 21 de abril de 2014

"Paixão Segundo Nós": o tradicional e o inovador, de mãos dadas, contando a história da Paixão de Cristo.

Paixão Segundo Nós
Pilatos interpretado por Domingos Tourinho 
Inovador, crítico e desmistificante, o espetáculo “Paixão Segundo Nós”, em cartaz no Teatro João do Vale durante a Semana Santa, proporcionou ao público um momento de reflexão sobre a morte de Jesus Cristo, com um enfoque diferenciado. A angulação é feita a partir dos questionamentos de Pilatos, que, de acordo com a narrativa bíblica, entregou o nazareno à crucificação, embora não constatasse sua culpa. O espetáculo faz parte de uma ação estratégica de criação de público para o teatro maranhense, idealizada pela COTEATRO em parceria com a Companhia Energética do Maranhão (CEMAR).
A produção teatral, que há 26 anos estimula uma discussão sobre a história de Cristo, apresenta uma cenografia bastante simples e surpreende por evocar não apenas personagens presentes na versão tradicionalmente conhecida da via crucis mas também personagens fictícios. Escrita e dirigida por Tácito Borralho e encenada pela Companhia Oficina de Teatro (COTEATRO), a peça elegeu como pontos de partida trechos e adaptações do Evangelho de São Mateus e Evangelhos Apócrifos, dos Cantares de Salomão, Salmos e Provérbios, além de narrativas da obra “Jesus, o Filho do Homem”, de Kahlil Gibran.
Em cada ato, a terrível angústia e o desespero de Pilatos ante a dúvida da sentença proferida se aprofundam. Os antagonistas da narrativa já não são mais o inimigo e Cristo, mas as diversas histórias que existiram ou provavelmente existiram em torno da vida de Jesus. Na tentação, é incluída a mulher, representação de um símbolo sexual e, portanto, uma das tentações de Cristo, que, apesar de seu caráter divino, viveu como homem. Um elemento fictício e bastante dramático é a presença de mulheres que choram por seus filhos e se posicionam contra o messias.
Essa ênfase em personagens fictícios seduziu apreciadores, como a turista Teresa de Jesus Rios, que declarou ter se surpreendido em conhecer a mãe de Judas Iscariotes: "Foi muito bom, pois foi muito moderno, alegre, diferente do que costumeiramente é feito", elogiou.


Cristo negro, jovem e despido


Ao longo dos anos, foi construída, no imaginário ocidental, a figura de um Jesus Cristo de Nazaré de pele clara e santo, a ponto de fugir plenamente aos prazeres terrenos. Segundo Borralho, o fato de o Cristo ser negro foi mera coincidência, pois ele estava à procura de um ator jovem e de voz que denotasse a adolescência. Porém, a apresentação de um cristo negro sugeriu a discussão sobre o negro na sociedade e sua presença na história do cristianismo, que, quase sempre, é deixada de lado nos espetáculos.
Na percepção do estudante Márcio Cutrim, Cristo negro foi um dos principais elementos: “Eles colocam Jesus na figura de um negro porque o negro é sempre excluído da sociedade”.
Ainda sob os efeitos da Jornada Mundial da Juventude, a “Paixão Segundo Nós” traz um jovem no papel do redentor, revelando o Cristo que está entre os homens fazendo bonança. O período em que se criou o espetáculo também influenciou na composição do papel: há 26 anos vivia-se o momento do rock e da juventude “rock in roll”, logo Jesus tinha que apresentar essa essência. Surgiu, assim, o Cristo Jovem.
Fugindo totalmente do tradicional, ao optar por um messias despido, a Coteatro inseriu um elemento bastante díspar e que impactou o público. Cristo sem roupas revela as fragilidades de um Deus que viveu como homem, que sentiu como homem, mas que, historicamente, tem essa condição negligenciada. Ao se deparar com o salvador da humanidade, tendo seu corpo erguido, o público logo revela o espanto, espanto de ver Cristo nu. O que seria a simples continuidade fatídica de uma história cujo que final todos conhecem transforma-se em um conto novo. Borralho conta que, na concepção do espetáculo, o nu tinha que estar presente, pois no momento em que as vestes de Jesus foram rasgadas, seu corpo ficou totalmente exposto: “Jesus não foi crucificado de tanguinha ou de saiote, primeiro que na época eles não usavam. Então por uma questão de falso moralismo, as crucificações são com aqueles saiotes. Segundo, porque a gente  quer trazer o despir inteiro. Ele é homem, é pessoa, e quem vai ser sacrificado tem que estar por inteiro”.

Cristo crucificado e a ressurreição

Paixão Segundo Nós
Cena da Paixão 



Trabalhando com as simbologias da paixão, em a "Paixão Segundo Nós", Cristo não foi crucificado. Tal ato foi representado pelo alçar da terra ao céu e pela nova descida à terra. Após a retirada do corpo de Cristo da cruz, um cortejo o conduz por dentro do teatro, aproximando o público desse momento grandioso e muito aguardado.
O espetáculo reconstruiu a ressurreição: a glória pela volta à vida de Jesus foi representada pela alegria, em um musical cheio de vida e chamativo (não apenas pelo flayer com a letra entregue na entrada do teatro). Ao descer do palco, os atores colocaram-se ao mesmo nível dos espectadores e os conduziram à saída de maneira lúdica. A ressurreição abandonou aquele simples sentimento de volta à vida e incorporou uma essência que parece inexistir nas concepções mais conservadoras.
Gabriel Freire, um dos espectadores, conta sua percepção: “A Bíblia traz sempre a mesma visão do Cristo, dos discípulos, e aqui traz várias visões. Nem todo mundo gostava de Jesus. Além de desmistificar algumas coisas da Bíblia, da igreja, faz a gente se entreter com a história, e a gente acaba sabendo mais sobre o assunto de uma maneira fascinante”.
O também estudante Marcos Martins fala de sua experiência com "Paixão Segundo Nós": “Faz com que nós paremos para pensar e nos transportemos para a época que aconteceu. Eles trazem o fato antigo e transformam no moderno para que nós nos encaixemos e voltemos ao passado. Achei muito boa visão”.

Escrito por: Maurício de Paula, da Redação Foca Aí




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