Hoje é comemorado o 150º aniversário do compositor da famosa música “Luar do Sertão”, que, inclusive, foi um dos quatro homenageados da 7ª Feira do Livro de São Luís, ocorrida na última semana. Catullo da Paixão Cearense, apesar de cearense no nome, é, na verdade, maranhense, natural de São Luís. O pai de Catullo, Amâncio José da Paixão, chamado de “cearense” devido ao fato de ser natural do Ceará, resolveu registrar o filho com o sobrenome Paixão Cearense, por conta de sua já perpetuada alcunha. “E isso é o que faz a confusão de muita gente em pensar que ele é cearense”, conta Joaquim Santos, maestro da Orquestra de Câmara da Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM).
Nascido em 1863, no sobrado número 66 da Rua Grande, viveu na capital maranhense até os 10 anos de idade, quando seu pai decidiu retornar ao Ceará. Em 1880, aos 17 anos, mudou-se para a capital do Rio de Janeiro, onde, ao ter contato com outros músicos, aprendeu violão. Ali começou a fazer sucesso por ter sido ele um dos que começou a introduzir o violão nos salões da sociedade.
“O violão era um instrumento mal visto. Era um instrumento que pertencia a cachaceiros, a desocupados. Houve uma época em que, no Brasil, quem andasse com um violão era preso”, revela Joaquim.
Ele fez várias parcerias com compositores muito importantes da época. Ouvia as composições instrumentais dos grandes nomes da música de seu tempo, compositores esses que “a gente pode dizer que constituíram o início de uma identidade da música brasileira”, diz Joaquim, e compunha as letras. Ainda segundo o maestro, Catullo “fazia música também, mas ele era essencialmente letrista”.
Catullo teve participação na “definição do choro enquanto gênero musical genuinamente brasileiro, embora com influências europeias”, assegura Joaquim. Além disso, contribuiu com a modinha brasileira. “Ele deu outra dimensão à modinha, que é muito importante nesse período, e que existia desde o século XVIII através do grande compositor Domingos Caldas Barbosa – um compositor que, basicamente, definiu o estilo da modinha como um gênero brasileiro”, conta ele.
A obra de Catullo foi dividida em duas fases: a modinheira (1880-1910), como letrista de música popular, e a poética, iniciada em 1918, com a composição de poemas sertanejos. Autodidata, aprendeu português, matemática e francês. Traduzia poetas famosos como Lamartine. “Mas esses conhecimentos eruditos da literatura francesa não o transformaram em um poeta de maneirismo importado como era comum na sua época”, revela o maestro.
Os versos de Catullo valorizavam a forma de falar do caboclo. “Ele escrevia da maneira como o povo falava. Um tipo de linguagem tipicamente rural, com termos não só aqui do Maranhão, mas também de Pernambuco”, conta Joaquim. “É até um precursor do modernismo”, completa ele. Catullo, inclusive, foi classificado como “o maior criador de imagens da poesia brasileira” pelo renomado poeta Mário de Andrade (1893-1945), um dos fundadores da poesia moderna brasileira.
Esse estilo tão peculiar de escrita pode ser notado, por exemplo, em seu poema "A Flor do Maracujá".
A FLOR DO MARACUJÁ
Encontrando-me com um sertanejo
Perto de um pé de maracujá
Eu lhe perguntei:
Diga-me caro sertanejo
Porque razão nasce roxa
A flor do maracujá?
Ah, pois então eu lhi conto
A estória que ouvi contá
A razão pro que nasci roxa
A flor do maracujá
Maracujá já foi branco
Eu posso inté lhe ajurá
Mais branco qui caridadi
Mais brando do que o luá
Quando a flor brotava nele
Lá pros cunfim do sertão
Maracujá parecia
Um ninho de argodão
Mais um dia, há muito tempo
Num meis que inté num mi alembro
Si foi maio, si foi junho
Si foi janero ou dezembro
Nosso sinhô Jesus Cristo
Foi condenado a morrer
Numa cruis crucificado
Longe daqui como o quê
Pregaro cristo a martelo
E ao vê tamanha crueza
A natureza inteirinha
Pois-se a chorá di tristeza
Chorava us campu
As foia, as ribera
Sabiá também chorava
Nos gaio a laranjera
E havia junto da cruis
Um pé de maracujá
Carregadinho de flor
Aos pé de nosso sinhô
I o sangue de Jesus Cristo
Sangui pisado de dô
Nus pé du maracujá
Tingia todas as flor
Eis aqui seu moço
A estoria que eu vi contá
A razão proque nasce roxa
A flor do maracujá.
Citações
“Acompanhando-se ao violão e cantando uma das suas composições, Catullo é extraordinário, é arrebatador! Duvido que haja um coração insensível à sua arte. No seu gênero, foi o maior cantor do Brasil. Por isso, Olga Praguer, a grande cantora, considera-o 'o maior lírico e cantor popular'”.
Maestro VILLA LOBOS.
“Catullo Cearense é o mais brasileiro dos poetas do Brasil”.
BELLO REDONDO, do Diário de Notícias, de Lisboa.
“O Brasil contemporâneo, o Brasil intelectual, ainda não se deu ao trabalho de ler e meditar a obra de Catullo Cearense, desse formidável poeta regional, que pode muito bem ser incorporado aos grandes poetas da sua geração. Creio que o seu nome só terá o devido esplendor e será suficientemente grande, depois que a morte lhe fechar os olhos.”
JULIO DANTAS.