quarta-feira, 27 de novembro de 2013

SOU UM LUÍS: “Eu quero ver a serpente acordar pra nunca mais a cidade dormir”


Debate após exibição do filme na 8ª Aldeia Sesc Guajajaras de Arte
Equipe de cineastas em debate após última exibição no Cine Praia Grande
O grupo Éguas Coletivo Audiovisual é formado por jovens universitários, que reconheceram uns nos outros, em meio a oficinas do 35º Guarnicê de Cinema, um anseio em comum: produzir arte. Isso foi há pouco mais de um ano, tempo suficiente para que o compartilhar de ideias resultasse em um longa-metragem. Em outubro deste ano, o 36º Guarnicê contou com Luíses – Solrealismo maranhense, UM FILME DE TODOS, premiado em três categorias pelo júri técnico: melhor direção, melhor direção de arte e melhor ator. Segundo o Coletivo, eles estão construindo um movimento que visa a uma “mudança pela arte”.
O anseio que impulsionou esses novos cineastas não significa, portanto, apenas a produção de um longa, mas também a busca por reconstruir-se enquanto sujeito histórico, por recontar a história de próprio lugar, por ressignificar o mito que constitui uma cidade atingida pelos mandos e desmandos de sujeitos privilegiados. Luíses... é, principalmente, uma provocação política, acionada pelo incômodo de quem sente sob os próprios pés os movimentos tênues de uma serpente que cresce adormecida, como reza a lenda.
A lenda da serpente, o fio condutor para o desenvolvimento da narrativa, é apresentada por um maluco, interpretado por Lauande Aires. A voz em off do narrador revela sua história: “Luís Lauande era um renomado escritor ludovicense, que no auge da sua carreira enlouqueceu”. Pela voz de um maluco, o filme denuncia a situação de opressão vivida pelo povo de São Luís, que se tornou encantado, adormecido, imóvel, ao longo de quatro séculos. Mas também anuncia a possibilidade de que a serpente já tenha desencantado e o povo já esteja desperto, considerando a insatisfação manifesta quanto ao cenário político. No filme, dotado de um caráter misto pelo formato de documentário e um tom assumidamente ficcional, a lenda é questionada, reinventada.
A provocação política se acentua mediante o diálogo estabelecida pela produção com a obra glauberiana “Maranhão 66”, que retrata a posse do governo do Maranhão por José Sarney, bem como seu discurso de mudança. Os trechos do filme do século passado são colocados em paralelo com depoimentos e cenas que traduzem problemas da realidade do século em curso. Os depoimentos do ex-presidente Lula em momentos diferentes de candidatura da atual governadora Roseana Sarney são confrontados, denunciando as contradições produzidas pelo jogo das conveniências no universo eleitoral.
Seguindo este percurso, o filme explora depoimentos de quem enfrenta os desafios do cotidiano, representando profissionais da saúde, pacientes, flanelinhas, mestres de manifestação folclórica, jornalistas, líderes de comunidades desassistidas e outros moradores, ativistas e gestores do poder público. Ao mesmo tempo, apresenta situações ficcionais a partir do que é vivenciado por estudantes, usuários de transporte público, trabalhadores informais, artesãos, estrangeiros radicados na cidade, policiais, moradores de rua e malucos – que não suportaram as privações e a situação de exclusão. Surge como o candidato do povo, na trama, o personagem Luis Calado, que ascende ao poder, mas que está, inevitavelmente, sujeito ao universo marcado pela imoralidade, pela falta de bom senso, pela desonestidade e, principalmente, pelo descaso com a população.
A discussão sobre a corrupção vale-se de imagens e falas bem familiares aos que moram em São Luís. Um toque especial é dado pelas cenas da manifestação de junho, da ocupação da Câmara Municipal em julho, que retratam a insatisfação do povo e suas formas de intervenção na realidade. Em meio a esse grito, a Vila Apaco tornava-se a comunidade símbolo da resistência e seus moradores interpretavam os próprios dramas que seriam exibidos em salas de cinema, mostrando que “todos são Luíses”.
A produção do filme assumiu uma concepção colaborativa e pretende ser fiel a isso nessa fase de pós-produção. Em fase de circuitos em festivais em todo país, já marcou presença, em eventos locais, com sucesso de público, como a Mostra Cine Mundi, da 8ª Aldeia Sesc Guajajaras, no Cine Praia Grande e a Mostra prévia do 3º Festival Internacional Lume de Cinema, na UFMA. No último sábado, estreou, no Centro Cultural Mestre Amaral, a Mostra Éguas na Estrada, um projeto que visa a difundir o cinema pelas comunidades. Quem ainda não assistiu, pode ver Luíses – Solrealismo maranhense, em duas oportunidades no 3º Festival Lume: nesta quarta-feira, 27, (no Cine praia grande, às 18h30) e sexta, 29, (no cine Lume, às 18h). A entrada é franca!



LUÍSES – Solrealismo maranhense. Direção: Lucian Rosa. Produção: Keyciane Martins e Éguas Coletivo Audiovisual. São Luís: Éguas coletivo Audiovisual, 2013. 1DVD.

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